terça-feira, 27 de maio de 2014

Os Três


Escrito num formato de relato real, conta a história de 4 aviões que caem simultaneamente em continentes diferentes, no que viria a ser conhecida como Quinta-Feira Negra, matando quase todos a bordo. Salvaram-se apenas três crianças de maneira milagrosa: a carnificina dos acidentes suporia que ninguém poderia ter saído praticamente ileso deles, mas Jessica Craddock, Bobby Small e Hiro Yanagida conseguem o feito. Logo começam a surgir teorias sobre a sobrevivência dos três, seitas que acreditam em intervenção divina e aliens.
Elspeth Martins é a jornalista que recolhe textos, depoimentos etc. para a publicação de um livro que relata os acontecimentos desde os acidentes até o desfecho da história dela mesma.
Ao me aproximar, percebi que era uma criança. Um menino.
Ele estava agachado, tremendo violentamente, e pude ver que um dos seus ombros se projetava num ângulo que não era natural. Gritei para os paramédicos virem depressa, mas eles não me escutaram por causa do som dos helicópteros.
O que eu disse a ele? É difícil lembrar, mas deve ter sido algo como “Você está bem? Não entre em pânico, estou aqui para ajudar”
Era tão grossa a mortalha de sangue e lama cobrindo seu corpo que a princípio não percebi que ele estava nu – mais tarde disseram que suas roupas foram arrancadas pela força do impacto. Estendi a mão para tocá-lo. Sua carne estava fria, porém o que mais se esperaria com aquela temperatura, abaixo do ponto de congelamento?
Não sinto vergonha de dizer que chorei.
Enrolei meu casaco nele e, com o máximo de cuidado, peguei-o no colo. Ele encostou a cabeça no meu ombro e sussurrou “Três”. Ou pelo menos foi o que pensei. Pedi que repetisse, mas seus olhos se fecharam, a boca ficou frouxa como se ele estivesse dormindo a sono solto e me preocupei mais ainda em levá-lo para a segurança e mantê-lo quente antes que sofresse hipotermia.
Claro que agora todo mundo vive me perguntando: você viu algo estranho no menino? Claro que não! Ele havia acabado de passar por uma experiência horrível e o que eu notava eram sinais de choque.
Não concordo com o que algumas pessoas estão dizendo sobre ele. Que está possuído por espíritos raivosos, talvez dos passageiros mortos que invejam sua sobrevivência. Que ele mantém as almas furiosas dentro do coração.
Um livro estranho, um livro ótimo. A primeira metade é viciante, foi um dos poucos livros recentes que me fizeram ficar chateada de largá-lo para dormir ou trabalhar.
A estratégia de conduzir a história como um livro de não-ficção reunindo pontos-de-vistas de várias personagens me pareceu muito criativa e funcionou perfeitamente no estilo da história.
É detalhado sem ser arrastado; detalhes interessantes, que dão a noção exata da cena sem ser um guia de como imaginar o que está sendo contado.
A única parte que eu não gostei muito foi da parte “oriental” da história. As transcrições das conversas de Chyioko e Ryu pela internet não me pareciam coerentes com o resto do texto. Porém, pensando pelo lado contrário, pode ser somente uma diferença de perspectiva, realmente uma visão de mundo diferente da ocidental.
É o tipo de livro que você precisa querer entender. Ou melhor, precisa saber que talvez não vá entender, que talvez não vá ter um final claro e definitivo. O interessante é o desenrolar, as reações que alguns fatos geram, a "criatividade" daqueles que, ao não saberem como interpretar certos acontecimentos, preenchem as lacunas da maneira que melhor lhes convêm.

Ficha técnica
Autor: Sarah Lotz
Título original: The Three
Ano de publicação: 2014

domingo, 25 de maio de 2014

Assassinato no Beco

Uma obra de Dame Agatha Christie que reúne quatro contos protagonizados pelo célebre e singular Hercule Poirot.

“Assassinato no beco”, primeiro conto, e que dá título à coletânea, relata a história de um aparente suícidio durante a celebração da tentativa frustrada de assassinato do então rei britânico James I, conhecida como a Noite de Guy Fawkes, em que a população solta fogos rememorando o fato de que Fawkes tentara explodir a Casa dos Lordes.
Porém, o que realmente importa é que uma jovem viúva é encontrada morta por sua própria arma num quarto fechado enquanto a moça com quem divide a casa estava viajando.
É uma história bastante articulada e bem ao estilo Christie, com Poirot tendo seus lampejos de sabedoria e mistério.

“O Roubo Inacreditável” versa sobre o roubo de um projeto secreto de submarino.
Não é das histórias mais inventivas e também não é das melhores de Agatha, mas é a que mostra o lado mais cômico de Poirot, com suas atitudes afetadas e, por vezes, espalhafatosas.

“O Espelho do Homem Morto” foi a que mais gostei e a que me fez não querer largar o livro até terminá-la. Conta a história  de um homem excêntrico, apegado à família e seu título de nobreza e que pede ajuda de forma autoritária e inusitada à Poirot, que não resiste e aquiesce a uma visita à propriedade do cliente, mas que acaba por chegar tarde, pois, na mesma noite em que chega sem que quase ninguém saiba de sua vinda, seu anfitrião é encontrado morto em seu escritório.
Essa é mais uma das provas da mente inventiva da autora. Numa narrativa curta, ela conseguiu criar a atmosfera certa e desenvolver uma história sem furos e bastante verossímil.
- Pelo jeito que você descreveu - continuou Poirot - acho que ele deve ser muito vulnerável...
- Vulnerável? - perguntou o sr. Satterthwaite, que ficou surpreso por um momento. De modo geral ele não associaria essa palavra a Gervase Chevenix-Gore. Mas ele era um homem observador e de raciocínio rápido. Depois, disse com tranquilidade: - Acho que entendo o que quer dizer.
- Um Homem desse tipo está sempre envolvido numa armadura, que não se parece em nada com a armadura dos cruzados... é uma armadura de arrogância, orgulho, de completa autoestima. É uma armadura de proteção contra as flechas do cotidiano. Mas esse é o perigo: muitas vezes um homem de armadura sequer percebe que está sendo atacado. Levará tempo para ver, ouvir e até mesmo sentir.
“O Triângulo de Rodes” é a mais curta das histórias e, talvez por isso, a menos intensa e interessante. Narra a história de dois casais em férias na Itália e um assassinato cometido entre eles.
Poderia ter sido uma história bastante boa se tivesse sido mais desenvolvida. Ao ser tão curta, me parece um pouco falha e desinteressante.

No todo, mais um livro de Agatha Christie que merece ser lido.

Ficha técnica
Autor: Agatha Christie
Título original: Murder in the Mews
Ano de publicação: 1937

Desaparecido para Sempre

Pouco antes de morrer, a mãe de Will Klein revela a ele algo inesperado. Ken, seu irmão supostamente morto havia anos, estava, segundo ela, vivo. Ken era acusado de assassinato da ex-namorada de Will, Julie Miller, mas ninguém na família acreditava que ele tinha culpa. Sr. Klein, o patriarca, fazia o possível para manter a família judia unida, mas após o desaparecimento do irmão, 11 anos atrás, nada mais havia sido igual.
Pouco após a morte da mãe, Will encontra uma foto de Ken em algum lugar fora do país, sorrindo. Então, fica claro: ele estava realmente vivo.
Ele procura seu melhor amigo, Squares, para ajudar a desvendar esse mistério, enquanto muitas outras coisas acontecem ao seu redor. Sheila, seu grande amor, desaparece, acusada de homicídio pelo FBI, e ele começa a ser seguido por um antigo pesadelo de sua infância, que foi amigo de seu irmão: John Asselta, o Fantasma.
Will chega ao desespero quando descobre que Sheila morrera em um lugar distante. Ele entra em choque, não consegue reagir de imediato.
Ao invés de desistir de tudo, porém, ele não desiste e passa a investigar, ao lado de Katy Miller, irmã de Julie, o assassinato de 11 anos atrás, e ao lado de Squares, a morte de sua amada.
Aos poucos, a verdade vai aparecendo, e Will descobre que tudo aquilo que ele considerava como verdade absoluta pode estar errado.

No fim, a mais desagradável das verdades é preferível à mais bela mentira.
Quando comecei a ler esse livro, havia pegado emprestado, e sua capa dizia: “Harlan Coben mais de 50 milhões de livros vendidos em todo o mundo”
Imaginei que deveria ser um bom autor, portanto. Fiquei empolgado para ler o livro. Não me decepcionei em praticamente nada. Quando as cenas começaram a parecer inverossímeis, houve explicação. Para tudo houve explicação. Do meio para o final do livro, à exceção de um fato, tudo me surpreendeu e me deixou aturdido. Quando eu achava que a história estava terminada, mais revelações aconteciam.
Ao terminar o livro, um dos melhores que já li, precisei de tempo para processar as informações e fiquei chateado porque havia terminado, mas feliz por poder ter lido um livro tão incrível.
Nesse livro, começou minha caçada por livros do Harlan Coben.

Ficha técnica:
Autor: Harlan Coben
Título original: Gone for Good
Ano de publicação: 2002

sábado, 24 de maio de 2014

O Apanhador no Campo de Centeio

Na viagem de volta para casa mais cedo por ter sido expulso da escola e ter brigado com um colega, Holden Caulfield, um jovem problemático e abastado, tenta encontrar respostas e corrigir a confusão que lhe aflige a mente. 

Sou obrigada a dizer que não, eu não gostei do livro. Perguntei-me durante toda a leitura: "cadê o propósito?". Sim, é bem contado, mas, não sei explicar, parece faltar coisa ali. É tudo muito solto. Alguns podem dizer que já li depois de adulta e, portanto, já não consigo simpatizar com os sentimentos de Holden, mas... não me parece desculpa aceitável. 
Contado em primeira pessoa, é fácil perder-se nos pensamentos de Holden, e não de uma forma agradável. Você vê a história através dos olhos de um garoto chatinho pra caramba, é o que me parece. Gostei da idéia de ele querer ser o "apanhador no campo de centeio", uma metáfora interessante, mas é só disso que eu gostei sobre ele. E é a partir daí que dá pra perceber melhor o que aquela falação toda do Holden quer dizer. Ele é um adolescente, 16 anos, e não quer crescer. Ou melhor, ele tem medo. Todas as pessoas mais velhas que ele conhece são "falsas", portanto ele imagina que vai ficar assim também. Então, num dia a irmãzinha dele pergunta o que ele quer ser, alguma coisa que lhe dê prazer, e sem ter o que responder ele diz que quer ser um "apanhador no campo de centeio". As crianças sairiam pra brincar num campo de centeio, perto de um precipício, e correriam, correriam... a função dele seria "apanhar" as crianças para que elas não caiam do precipício. Disso eu gostei no livro, achei que é legal esse paralelo, porque na verdade o precipício é a passagem de criança pra adulto, e o Holden não quer ter que ver nenhuma criança se tornar mais um adulto falso. Mas as ações dele, as quais ele narra durante o livro, são idiotas. Parece que tudo o que ele faz é besta, e ele se martiriza, mas continua fazendo coisas bestas. 
A única coisa legal mesmo no livro é a irmã do Holden, a Phoebe. Ela, além de engraçadinha, é a pessoa mais coerente dali, e ela só tem 10 anos. 
Bom, resumindo, sei que o livro é um clássico, todo mundo exalta a maravilha que é, mas realmente não me agradou.

Ficha técnica
Autor: J. D. Salinger
Título original: The Catcher in the Rye
Ano de publicação: 1951

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Jack & Jill

Quando comecei a ler Jack & Jill, tinha uma espectativa boa, uma vez que seu autor, James Patterson, é um dos mais renomados da atualidade, tendo escrito mais de 100 livros e muitos best sellers. E o livro não começou mal, tendo a primeira cena já me deixado bastante interessado e intrigado. O autor colocou a personagem principal, Alex Cross, em uma encruzilhada: proteger as criancinhas (brutalmente assassinadas com pauladas no rosto) de seu bairro ou ajudar a desvendar a natureza dos criminosos que se denominavam Jack e Jill? Ele queria ajudar as crianças, mas seu superior, o arrogante senhor Pittman, decidiu que Cross trabalharia ao lado do FBI na investigação dos crimes do casal não identificado.
Não me agradava, para falar a verdade, ler um livro em que criancinhas fossem mortas brutalmente e o assassínio fosse descrito pelo autor (obviamente sem revelar a identidade do criminoso). Mas a história era intrigante e, para alguém que havia escrito cerca de 10 livros, aparentemente bem escrita.
Os problemas do livro, porém, começaram a surgir, e a leitura a ficar cada vez mais massante. As autoridades, ao investigar, cometeram erros que, sinceramente, nem eu cometeria. Falha do autor. Antes de ser assassinada, uma personagem participava de uma festa (foi o último lugar em que ela esteve). Saiu do local junto com um homem, mas não sem antes conversar com ele por algum tempo. Era uma pessoa importante e muito famosa, dificilmente passaria despercebida a conversa com o homem e sua saída. Mas, segundo o autor, ninguém a viu, ou melhor: ninguém foi sequer entrevistado das pessoas que participavam da festa. A história, depois, se desenrolou numa seqüência de, na minha opinião, erros do autor em ambas as tramas. Quase desisti da leitura, mas continuei. Li até o final, só pra poder dizer que li, não gostei e que não recomendo, de forma alguma, a leitura desse livro.
Não vou dizer que não gostei da personagem principal, o investigador Alex Cross, porque seria mentira. Gostei dos personagens, mas não gostei da trama. Achei ela péssima, para falar a verdade. Mal elaborada e com furos claros. Talvez James Patterson tenha livros realmente bons, mas esse não é um deles, e não sei se vou ler outro um dia.

Não à toa, Stephen King falou o seguinte, descrevendo Patterson:
“Um péssimo escritor muito bem sucedido.”

Ficha técnica:
Autor: James Patterson
Título original: Jack and Jill
Ano de publicação: 1996

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Caso dos Dez Negrinhos

Dez pessoas são convidadas, por conhecidos de pouco contato, para uma estadia em uma ilha. Na primeira noite, à espera do misterioso anfitrião durante o jantar, uma gravação revela acusações sobre os presentes. Todos são culpados de "pequenas ações", coisas que, em si, não foram consideradas crimes, mas que causaram grandes danos a outros. E então as mortes começam, uma a uma. Presos na ilha, sem comunicação com o continente, somente os dez convidados, um deles é o assassino. Quem?
Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove. Um deles se engasgou e então ficaram nove.
Nove negrinhos vão dormir, mas nenhum está afoito. Um deles cai no sono, e então ficaram oito.
Oito negrinhos vão a Devon de charrete. Um não quis mais voltar, e então ficaram sete.
Sete negrinhos vão rachar lenha, mas eis: um deles se corta, e então ficaram seis.
Seis negrinhos em uma colméia trabalham com afinco. Um deles é picado, e então ficaram cinco.
Cinco negrinhos vão ao tribunal julgar um fato. Um deles foi condenado, e então ficaram quatro.
Quatro negrinhos vão ao mar. Um engoliu o arenque defumado de uma vez, e então ficaram três.
Três negrinhos vão ao zoológico ver leões e bois. O urso abraçou um, e então ficaram dois.
Dois negrinhos vão brincar ao sol, sem medo algum. Um deles se queimou, e então ficou só um.
Um negrinho aqui está a sós, apenas um. Ele então se enforcou, e não ficou nenhum.
Um livro magistral, na minha opinião. Li em dois dias: no primeiro, li quatro capítulos; no segundo, não consegui largar até terminar. O suspense é grande; o mistério, envolvente. Tanto que não espera-se ler novamente um livro que baseia-se num mistério pois, uma vez descoberto o assassino, qual a necessidade de uma segunda leitura? Li "O Caso dos Dez Negrinhos" três vezes, para ser exata.

Para o leitor de hoje, é preciso deixar-se levar pela época em que era perfeitamente simples ficar completamente sem contato com a "civilização" por dias em uma ilha. É preciso a imersão no contexto.

É uma obra que vai levando o leitor, e que, ao final, nos faz ver a genialidade de uma das melhores obras de Dame Agatha Christie, sendo seu livro mais vendido, e um dos mais vendidos no mundo.

Uma curiosidade é o título do livro. Escrito em uma época em que a segregação racial era ainda uma realidade, e baseado numa cantiga infantil que conta a história de 10 negrinhos, o título parecia adequado. Alguns anos depois, as editoras, achando o título levemente racista, o alteraram para "E Não Sobrou Nenhum".

Ficha técnica
Autor: Agatha Christie
Título original: Ten Little Niggers, depois alterado para And Then There Were None
Ano de publicação: 1939

terça-feira, 20 de maio de 2014

Os Filhos de Anansi

Os filhos de Anansi é um livro inicialmente muito estranho, que vai ficando cada vez mais estranho com o desenvolvimento da história genial criada por Neil Gaiman, que é, na minha opinião, um dos melhores escritores da atualidade, se não o melhor.
A história, como eu disse, começa de forma estranha. Em primeiro lugar, os capítulos têm títulos completamente pitorescos. Em segundo, há uma dedicatória feita a ninguém menos do que o leitor. Em terceiro, há um pai (Sr. Nancy) que sacaneia um filho (“Fat Charlie”) mesmo depois de morto. Em quarto, acho muito improvável que alguém tenha a capacidade de escrever um livro sobre alguém tão sem graça quanto o queridíssimo Fat Charlie, raramente chamado por seu nome (Charles), mesmo que ele fizesse de tudo para destruir o apelido dado pelo pai.

Na Flórida, Estados Unidos, o Sr. Nancy morre de uma forma bastante constrangedora (de acordo com o filho, que morava na Inglaterra para manter o pai à distância). Aconteceu num bar com karaokê, ele cantava para três belas moças quando teve infarto e, ao cair do palco, arrancou o tomara-que-caia da moça, que ficou com os seios à mostra.
Com o evento, Fat Charlie teve que retornar aos Estados Unidos para o sepultamento, coisa que não fazia há muitos anos. Além disso, descobriu que seu pai era Anansi, o deus da travessura, e que bastava falar com uma aranha que seu irmão apareceria (ele sequer sabia que tinha um irmão, nem tinha registros que pudessem explicar isso).
A partir disso, a vida de Fat Charlie vira do avesso, perdendo tudo o que tinha, e o desenrolar da história passa a ser cada vez mais interessante e engraçado. Há uma série de coincidências (muito) improváveis, mas que deixam o livro mais rico, havendo inclusive uma explicação do autor para os fatos.

Esse livro é de uma criatividade absurda por parte do autor, que não procura surpreender durante a narração dos fatos, me fascinando durante quase toda a leitura. Neil Gaiman usou, na maior parte do tempo, uma forma bastante irônica de narração, e, mesmo quando os fatos eram absurdos, a narração parecia totalmente casual, como se o que acontecia fosse absolutamente normal. As personagens da trama são vivos (mesmo quando razoavelmente mortos) e pouco óbvios, tornando a leitura fácil e agradável.

Ficha Técnica:
Autor: Neil Gaiman
Título original: Anansi Boys
Ano de publicação: 2005

As Relações Perigosas

Luxúria, orgulho, avareza, inveja, ira. Traição, intrigas, vingança, ódio.
As palavras acima definem um livro difícil de ler, não por conta de sua característica epistolar, mas por sua linguagem de época. O autor, Choderlos de Laclos, dizia que as cartas e os fatos contados eram verdadeiros, não havendo, porém, certeza sobre isso.
De qualquer forma, se os fatos não forem reais, só é possível dizer que isso aumentaria, e muito, a genialidade do que foi escrito. Personagens de características peculiares para a época (mas não incomuns nos dias de hoje), formam uma trama desenvolvida com base em características muito humanas, sendo elas ruins ou péssimas; boas, às vezes.

No século XVIII, a história se inicia com a saída da jovem filha da Sra. de Volanges, Cécile, de um colégio de freiras, pois estava prometida em casamento ao Conde de Gercourt. Essa promessa, no entanto, fez com que outras pessoas - em especial a Marquesa de Merteuil -, no desejo de vingança, se aproximassem da jovem e ingênua menina no intuito de acabar com o casamento e com a reputação do poderoso conde.
Logo que é informada sobre o casamento que se aproximava, a marquesa envia uma carta a seu aliado e amante Visconde de Valmont exigindo sua imediata volta a paris a fim de ajudá-la em sua vingança. O visconde, porém, ignora a ordem, afirmando que, além de ser uma empreitada fácil, estava com todas as atenções voltadas à conquista da Presidenta de Tourvel, pela qual se dizia apaixonado como nunca estivera. Sua amada, entretanto, era casada, recatada e religiosa.
Entra em cena, então, o Cavaleiro de Danceny que, mesmo sem saber, tinha a missão de conquistar e desonrar a jovem Volanges. Jovens e com muito em comum (incluída a ingenuidade), se apaixonam aos poucos, ainda que não entendessem bem o que acontecia.
A história, que tem como centro o desejo de vingança da Marquesa de Merteuil, se desenvolve cheia de reviravoltas e desfechos surpreendentes envolvendo o amor dos jovens, a luxúria do visconde, o ódio da marquesa e os sentimentos controversos das demais personagens, principalmente referentes aos ‘vilões’.

É possível que se pense que as palavras citadas no início do texto sejam comuns em grande parte dos livros e histórias de romance, e de fato devem ser. No entanto, a forma viva com que elas se fazem presente é que tornam fascinante a leitura do livro.
Esse foi um dos primeiros livros que li, tendo me apaixonado de pronto pela forma incrível de linguagem que ele me apresentava, com termos até então desconhecidos e, além de tudo, o uso de uma conjugação pouco comum hoje em dia: a segunda pessoa, tanto no singular como no plural.

Ficha técnica
Autor: Choderlos de Laclos
Título original: Les Liaisons Dangereuses 
Ano de publicação: 1782
Título alternativo: As Ligações Perigosas

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Você Está Sendo Vigiado

Em Você Está Sendo Vigiado, do autor americano Gregg Hurwitz, Patrick Davis é mais um dos sonhadores que foram parar em Los Angeles tentando uma chance em Hollywood. Aficionado por cinema, Patrick escreveu um roteiro que foi comprado e transformado em filme, o que seria o princípio de uma carreira como roteirista caso o astro principal do filme, e novo queridinho da América, não tivesse implicado com ele e feito com que o estúdio o demitisse de seu próprio filme e aberto um processo por agressão. Porém, esse é só o início dos problemas de Patrick. Ele começa a receber DVDs com gravações dele mesmo fazendo coisas do cotidiano, como dormir e ir ao banheiro. Sem qualquer ameaça ou chantagem, os vídeos apenas demonstram o que as pessoas por trás deles podem fazer. A partir dessas gravações é que se desenrola a trama cheia de reviravoltas de Hurwitz.
Mordendo os lábios, fiquei de pé e me arrastei escada acima, passando pelo escritório com vista para o enorme quintal dos Miller e indo até nosso quarto. Examinei o ombro no espelho: o ferimento no vídeo era no mesmo local e com o tamanho e a coloração idênticos. Abri minha gaveta no fundo do closet. Minha cueca azul de listras brancas estava logo em cima.
Tinha sido ontem.
Vesti-me e voltei para a sala de TV. Afastei a manta e o travesseiro, sentei-me no sofá e liguei o DVD outra vez. Duração do vídeo: um minuto e 41 segundos. Ainda que fosse uma piada de mau gosto, era a última coisa de que Ariana e eu precisávamos naquele momento.
Você Está Sendo Vigiado é um livro bom, com uma história interessante. No começo parece ser uma coisa, para parecer ser outra no meio e depois se descobre que não era nada daquilo.
Confesso que achei boa parte dele meio clichê, mas também confesso que costumo achar isso de quase tudo que envolva Los Angeles e a indústria do cinema. Cenas em que Patrick imagina o impacto e o simbolismo dos acontecimentos de sua própria vida são até coerentes para uma personagem que aspira ser roteirista, mas, mesmo assim, me parecem um tanto forçadas.
Achei as personagens meio rasas e caricatas. A esposa de Patrick é linda e perfeita, ele, o reflexo do anti-herói dos filmes.
A trama em si não é complicada de se acompanhar, apesar das reviravoltas. E, apesar de ser exagerada, a história é crível. Ainda assim, não consegui gostar tanto dela quanto uma descrição do que acontece poderia me fazer crer. Trocando em miúdos, acho que o autor não foi muito feliz na sua narrativa, ou, no mínimo, não é o tipo de narrativa que me agrada.
Um detalhe bastante interessante do livro, na verdade, são as notas de rodapé. A cada final de capítulo havia informações sobre as citações feitas de publicações, bandas de rock, times esportivos, marcas de carro e até de palavras bastante comuns do cotidiano como “lan house” e “post it”. Algumas pareceram desnecessárias, mas talvez sejam úteis para muitos.

Ficha técnica
Autor: Gregg Hurwitz
Título original: They're Watching
Ano de publicação: 2010